sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Resenha Crítica de Raquel Gonçalves - Direito


SHAKESPEARE, William. O Mercador de Veneza. Disponível no site www.helenabarbas.net/traduções/Mercador de Veneza. Acesso em 02 de abril de 2012.

Resenha Crítica
Acadêmica Raquel Câmara da Rocha Gonçalves - Direito 

A obra “O Mercador de Veneza” de William Shakespeare, dramaturgo e poeta inglês, aborda, de maneira cômica e um tanto dramática, o contexto social de Veneza em meados do século XVI. Judaísmo é conflitado com Cristianismo; a teoria do contrato é posta em discussão, bem como a importância do uso da retórica ao profissional de direito, sendo necessário por esse motivo, um conhecimento prévio por parte do leitor na área jurídica. O autor utiliza-se de uma linguagem mista, oscilando entre o sofisticado verso e a modesta prosa, dando lugar também ao uso de termos jurídicos.

O livro de divide em cinco atos, nos quais o confronto entre judeu e cristão se dá pelos respectivos personagens: Shylock e Antônio. Ambos emprestam capital, porém, o fato de o semita cobrar juros os fazem grandes rivais. Acontece que Antônio se vê quase que obrigado a tomar um empréstimo para ajudar seu amigo Bassânio, prestes a fazer uma viagem para conhecer a jovem Pórcia, que está à procura de um marido. Recorre então a Shylock, seu principal adversário, que aceita negociar com a seguinte condição: Se a dívida não fosse paga até a data estabelecida, poderia o credor retirar uma libra de couro do devedor no local mais próximo ao coração; estabelecendo desse modo, um contrato entre as partes, devidamente aceito pelas leis venezianas.

Os dias passam, Bassânio viaja; o prazo de esgota e o mercador não consegue quitar a dívida, pois estava quase em falência, já que seus negócios não iam bem. Em seguida, o judeu trata de tomar suas providências levando o caso à justiça. Em meio a isso, Bassânio, que já se encontrava casado, toma conhecimento da situação e decide viajar para pelo menos poder ver o seu amigo pela última vez.

Perante o tribunal, o semita dispara com um discurso capaz de comover o leitor acerca da situação em que vivera todos esses anos, remetendo-o ao triste caso do Holocausto Judaico e justificando, ao menos por um momento, seus sentimentos de rancor e ira em relação aos cristãos. Já não interessava-lhe a quantia emprestada, e sim uma libra de couro do rival, a qual praticamente já era sua.

Em meio a isso, surge Pórcia na figura de Baltazar, um jovem advogado. Percebe-se a grande fragilidade do sistema judiciário, a tal ponto de não conhecer uma mulher com um disfarce tão simplista, que seria facilmente identificada. O fato é que ela, como toda sua perspicácia, conseguiu reverter a situação, alegando que o contrato não previa uma só gota de sangue, ficando assim impossível a retirada do couro. A decepção do judeu foi ainda maior quando ficou determinado que metade de seus bens passariam a ser propriedade do estado.

Trazendo essa obra à nossa realidade, presume-se que o contrato nela firmado pode ser considerado nulo, embora lavrado em cartório. Acontece que Shylock agiu de má-fé no momento em que disse que a condição imposta seria brincadeira bem como por saber que os negócios do rival não iam muito bem, assim, ficaria provável que este não lhe pagasse. Não obstante a isso, observa-se que as condições pautadas no acordo ferem a um direito indisponível: A integridade da pessoa humana; além de não respeitar os limites da ordem pública, sobrepondo a vontade individual à coletiva.

De forma dogmática e minuciosa, Pórcia interpretou gramaticalmente o contrato, levando em consideração somente o que nele estava expresso, uma só gota de sangue que fosse derramada caracterizaria violação do contrato e crime de lesão corporal. Apesar da brilhante defesa, poderia ela ser condenada por falsidade ideológica, incorrendo também seu primo Belário, que lhe dispôs falsamente o título de advogado para prestação de serviço de caráter público. Através desse contexto, Shakespeare mostra a importância da argumentação e retórica ao profissional de direito, que tem como dever básico zelar pela justiça.

 Em suma, o livro “O Mercador de Veneza” torna-se um mediador entre a razão e a emoção humana, visto que o autor, em momento algum deixa transparecer sua posição em relação aos conflitos, pois do mesmo modo que mostra a situação de Shylock por ter a lei ao seu lado, traz Antônio, que tem como respaldo o seu direito indisponível, considerando os bons costumes e o fator social. Diante disso, cabe ao leitor assumir seu papel crítico e julgar conforme a extensão de seu conhecimento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário