FULLER, Lon L. O Caso dos Exploradores de Caverna. São
Paulo: Leud, 2003.
Resenha Crítica
da obra “O Caso dos Exploradores de Caverna”, por Tatyana Mello Lima.
A obra “O Caso dos Exploradores de Caverna”, escrita em 1949, pelo
professor da Harvard Law School, Lon L Fuller, é fonte de profundas discussões
em vários cursos de direito no mundo, por abordar assuntos pertinentes a esta
área de atuação, visando introduzir, principalmente aos iniciantes acadêmicos, as
diferentes nuances da interpretação da lei, do ponto de vista das filosofias
jurídicas, do Direito Natural (Jusnaturalismo), do Direito Positivista
(Juspositivismo) da jurisprudência e até mesmo do ponto de vista do senso comum.
O livro caracteriza-se por ser uma ficção que se desenrola no ano de
4299, no condado de Stowfield, apresentando como personagens cinco membros
amadores da sociedade espeleológica que ficaram presos durante 32 dias dentro
de uma caverna após um desmoronamento que bloqueou completamente o único acesso
de saída. Durante este período, o autor criou um enredo envolvente abordando,
através das vítimas, uma situação extrema de luta pela sobrevivência,
ressaltando sentimentos de medo, insegurança, resolutividade e instinto de
preservação.
Durante o período em que estavam presos, equipes de resgate foram
enviadas ao local, porém somente no vigésimo dia os exploradores descobriram um
rádio que permitiu contato com o resgate. Foram notificados que ainda ficariam
confinados, pelo menos uns dez dias e que não havia chances de sobreviver com os
mantimentos que dispunham. Então, Whetmore, um dos exploradores, sugeriu a
medida extrema de sacrificar um dos confinados, por sorteio e cometer
antropofagia[1] para sobrevivência
dos demais.
Somente após o resgate é que se desenvolve o impasse central da obra: a
morte de um dos confinados. Através dos depoimentos dos quatro sobreviventes, são
narrados os acontecimentos, nestes, dois fatos foram pertinentes: a desistência
Whetmore do sorteio e a desconsideração da recusa pelos demais companheiros. O
sorteio foi realizado e o resultado foi contrário a Whetmore. Ele foi sacrificado
e serviu de alimento para seus companheiros.
Os companheiros foram indiciados pelo homicídio de Roger Whetmore. No
julgamento na primeira instancia, o juiz declarou os réus culpados com a
condenação à pena de morte. O enfoque jurídico baseou-se na aplicabilidade da
lei positivista, que tem como premissa o rigor desta, ignorando os aspectos
subjetivos da moral. A pedido dos jurados e do próprio juiz, o caso foi
encaminhado ao executivo solicitando anistia ou comutação da pena dos réus.
Diante do impasse, a execução da pena foi adiada até o parecer da suprema
corte. Cabe registrar que é dever do Judiciário analisar, julgar e sentenciar
os casos que lhe são apresentados, o fato de incumbir o poder executivo de uma
função de sua competência já demonstra fragilidade em sua estrutura.
Na suprema corte o caso foi apreciado por cinco juízes, dos quais dois consideraram
os réus inocentes; dois outros, culpados; e um não se manifestou. Como critério
de desempate a suprema corte considerou a sentença da primeira instância e
determinou os réus culpados sob a aplicação da pena de morte por enforcamento.
Na análise das sentenças proferidas observa-se que a conduta dos juízes que
inocentaram os réus baseou-se no enfoque do jusnaturalismo (Direito Natural) e
nos princípios da moral, numa abordagem zetética empírica pura, quando busca
compreender a origem do ato em diversos contextos científicos, tais como
aspectos sociológicos, psicológicos; bem como na abordagem zetética analítica
pura, quando vem questionar a real legalidade da lei, seus dogmas, uma vez que
esta deve se adequar aos costumes da atual sociedade. Para estes juízes, os
réus, por estarem em situação extrema e privados do amparo do Estado,
encontravam-se em Estado de Natureza[2]. Desta
forma não respondiam mais as leis positivistas às quais eram submetidos,
passando a celebrar um novo pacto social por eles elaborado.
A inocência dos réus se baseou na teoria da legalidade do contrato social[3], criado
dentro da caverna numa situação de risco de vida, dentre essas regras, previa que
um dos exploradores seria sacrificado e que o sorteio seria feito por dados, como
um método de escolha, método este que se baseava na cientificidade da
matemática. A formação do contrato também fica caracterizado quando os réus
referiram o ato de má fé da vítima quando se negou a participar do sorteio, ou
seja, foi contra uma regra criada por eles na intenção de preservação da vida,
teoria explicada pelo juiz Foster sendo a da legítima defesa.
Complementando o raciocínio, o Estado é feito para o povo e pelo povo, e
este deve ter um sistema jurídico que haja mediante o pensamento crítico,
analítico e sistêmico, embasado em um pensamento filosófico sólido, puro, e
livre de subjetividades ocultas que desviem do foco de fazer a justiça e de se
estabelecer uma equidade. Foster afirma que assim como na sociedade, em que o
cidadão e o governo se completam, a aplicabilidade da lei deveria pautar-se no direito
natural e também positivista simultaneamente, para que o julgamento possa ser
coerente com a realidade individual e social. Deve-se ter muito cuidado para
não perder contato com o “homem” e desta forma desburocratizar o processo a fim
de que este não demore tempo demais e perca sua real função social de criar
melhores condições de vida para o cidadão e para a sociedade.
Os dois votos de acusação basearam-se nos princípios positivistas da
doutrina dogmática e da racionalidade. O Juiz Truepenny se limita a executar
sua tarefa de relator do caso e aplicabilidade da lei e da sentença dada em
primeira instância. Não proferiu críticas durante sua explanação e reforçou a opção
da clemência por parte do executivo. Porém, como referido, cabe ao judiciário
julgar e sentenciar, e ao executivo, criar as leis. Foi por esta linha de
raciocínio que o jurista Keen direcionou uma de suas argumentações. Para ele as
leis são feitas pelo homem e para o homem, pois ele elege quem as faz. Afirmou
também que cabe ao juiz aplicar a lei, a
priori, independente de seu julgamento emocional. “Uma decisão difícil
nunca será uma decisão popular”. Durante seu discurso dirigiu várias críticas
aos juízes que inocentaram os réus, no que diz respeito à sua forma de atuação,
que busca as brechas da lei e que não estão cientes dos perigos implícitos nas
concessões e sofismas. E finalmente aplica a linguagem do estatuto no que se
refere a retirar a vida de alguém é considerado culpado.
O juiz Tatting manifestou-se incapaz de proferir uma decisão sobre o caso
por não haver uma lei que fundamentasse sua decisão, porém durante sua
argumentação faz outros questionamentos pertinentes ao caso. No que diz
respeito aos limites de atuação da lei, como delimitá-la de forma justa? O juiz
é indicado para julgar sob as leis locais. Pode ele julgar, neste caso, pela lei
natural? Quem pode afirmar que a vítima não foi coagida ou induzida a
concordar? A teoria fornecida pelos réus realmente é a verdadeira? Ele critica
claramente os argumentos de legítima defesa, uma vez que os réus e a vítima
premeditaram por horas, quem seria e de que forma seria feito o assassinato.
Assim como o juiz Keen, ele fala sobre o risco ao se contestar as leis
existentes, pois colocam em risco o equilíbrio e a segurança futura da
sociedade, pois abrem precedentes, “se fome não pode justificar roubo de
comida, como se pode matar e consumir outra pessoa”.
Penso que, é função do poder judiciário dar segurança a sociedade fazendo
a justiça. Justiça essa que deve estar sempre vinculada aos princípios das leis
escritas e dos direitos naturais mais essenciais, como o direito a vida. As
leis devem estar sempre se atualizando para tentar se adequar a realidade da
sociedade que irá mediar. Portanto, uma sentença adequada neste caso seria
aplicar normas escritas previstas (leis), buscando analisar e respeitar os
limites individuais do homem e sua real intenção. Seria um equilíbrio entre a
aplicação da lei pelo enfoque dogmático, porém aplicando-a somente após uma
analise zetética empírica pura e aplicada do fato.
O ato de se tirar uma vida é um fato, mas a forma e o motivo são
variáveis. Como um soldado que mata na guerra outro homem recebe o respaldo das
leis de guerra; o homem que na sociedade tira a vida de outro homem sem a
intenção de vingança ou a mando de outrem, também merece uma análise mais
humanizada no seu processo de reeducação penal. Matar é um ato moralmente condenável
em nossa sociedade. Os preceitos do direito natural no que diz respeito à vida,
baseados nos fundamentos de Rousseau, Hoobes e Locke, devem ser atemporais e
não devem ser modificados em função da situação, da cultura ou do espaço.
Tendo como base as considerações anteriores, julgo os réus culpados pelo
crime de homicídio, com pena a ser cumprida através de serviços comunitários e
custeio das despesas da família da vítima (indenização).
Entendendo ser necessária a manutenção da pena em relação à infração, considerando-se
como atenuante a situação psicológica extrema que os réus encontraram-se nos 32
dias de confinamento. Relativo ao caso fica evidente a tentativa de manutenção
da vida dos cinco exploradores diante das reduzidas chances de sobreviver sem suprimentos.
Por sentirem-se abandonados pelo Estado, buscaram através de um pacto uma forma
de solucionar o conflito, numa maneira singular e não usual, mas que para a dada
situação, foi por eles aceita como a mais “justa”. Hobbes define que o "estado de natureza" é sempre um
estado de Guerra, que faz despertar o egoísmo que está na essência do homem. Desta
forma é compreensivel a escolha feita, porém a ausência temporaria da tutela do
Estado, não justifica uma conduta tão extrema como a de tirar a vida de uma
pessoa, mesmo quando é firmado um acordo, pois deve-se considerar a
possibilidade deste individuo haver escolhido tal alternativa numa situação de
desespero, descaracterizando o ato consciente e racional de seus principios.
Dado o exposto, pode-se afirmar que esta obra tem grande valia para os
estudantes de direito, uma vez que ela introduz a intima e conflitante relação
dos princípios da ética e da moral frente ao positivismo da lei, clareando aos
iniciantes desta ciência, a real importância da constante busca do saber e da prudência
em sua trajetória acadêmica e posteriormente profissional.
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