quarta-feira, 21 de julho de 2010

Uma análise crítica do documentário “Ônibus 174” de José Padilha, por Aderlan Messias de Oliveira

Ônibus 174: Ficção ou realidade?

Uma análise crítica do documentário “Ônibus 174” de José Padilha

Aderlan Messias de Oliveira  - acadêmico do 4º semestre de Direito/FASB 2008.2

MsC Nelson Gomes de Santana Silva e Júnior - professor de Psicologia Jurídica 



O documentário “Ônibus 174” traz na sua narrativa o relato do seqüestro do ônibus 174, composto de dezenas de passageiros que tiveram seu destino interrompido naquele momento, em pleno bairro Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, em junho de 2000, pelo jovem algoz da tragédia Sandro Nascimento. O que se viu neste dia pela mídia não foi nenhum filme de ficção, mas sim a realidade da violência urbana, da insegurança pública, dos equívocos cometidos pela polícia, bem como da invisibilidade dos sujeitos caracterizada na figura do seqüestrador Sandro.

O episódio do seqüestro mostra nitidamente o reflexo da violência urbana nas grandes cidades em que os protagonistas são, na maioria das vezes, se não em todas, vítimas de uma sociedade que não oferece condições dignas de vida como educação, moradia, saúde, trabalho, lazer, segurança. A estas pessoas que, como Sandro, possuem um histórico biográfico lamentável. Como visto, Sandro assistiu à violência e ao degolamento de sua própria mãe, grávida de cinco meses e, sem pai, cai no mundo da marginalidade. Conseqüentemente, sem nenhuma oportunidade de vida melhor, transforma-se em um jovem revoltado e violento, inserindo-se no mundo do crime, não como opção, mas como meio de assegurar a sua própria sobrevivência.

Neste contexto, cumpre mencionar que grande parte dos problemas como a marginalidade está arraigado à falta de emprego, pois se os governantes roubassem menos e não se envolvessem tanto em escândalos como o mensalão, caixa dois, cartões corporativos, lavagem de dinheiro, propina e tantos outros atos ilícitos e, investissem massiçamente na geração de empregos a estes jovens e pais de família, não se teria tanta violência como se tem hoje, haja vista que a estes não haveria necessidade de roubar, de matar.

É interessante salientar no estudo da Criminologia que a marginalidade é decorrente dos fatores exógenos, ou seja, é a própria sociedade que cria o bandido, o criminoso, o assaltante, pois quanto maior for a desorganização social, maior é a criminalidade. Assim, mister se faz argüir o pensamento de Alexandre Lacassagne ao afirmar que “a sociedade é como um caldo de cultura, onde existem “micróbios”, que são os delinqüentes que não se desenvolverão se não houver um ambiente propício.” Corrobora tal idéia de que o meio em que “os sandros da vida” estão inseridos são contribuidores e estimuladores à disseminação do crime.

Registra-se, ainda, no referido documentário, depoimentos significativos de pessoas que estão inseridas neste mesmo contexto social e até justificam o porquê da violência urbana no país. Afirmam que os principais motivos para saírem de casa e morarem na rua é a violência dentro de casa por padrastos, pais alcoólatras, etc. Assim, sem teto e família, tornam-se marginais para a autosustentação de si mesmo. Especialistas na área dizem que estas pessoas, ainda assim, buscam ser vistas no meio social, lutando contra a invisibilidade, famintos pela existência social.

Desta maneira, vê-se que Sandro, ao seqüestrar o ônibus 174 e fazer reféns os passageiros, mostra à sociedade que ele também existe, tornando-se protagonista do terror da violência. Prova disso é a presença da mídia que durante todo o período fazia a abordagem daquele chocante evento, mostrando ao vivo as imagens aterrorizantes daquela tarde de 12 de junho de 2000.

Em contrapartida, é imperioso afirmar como os policiais ainda encontram-se em falta de preparo para atuar em casos como o do “ônibus 174”. Primeiro, a comunicação entre eles se fazia por meio de gestos, não contando sequer com um simples aparelho de comunicação; permitia que a mídia estivesse diretamente acompanhando o caso. Ao mesmo tempo em que Sandro se tornara protagonista, contribuía para que ele percebesse que o cerco estava fechado, que não havia saída. Percebeu-se que não havia também uma equipe especializada de intervenção que pudesse fazer negociações com o seqüestrador e, por último, já cansado do drama, certo policial resolve atirar em Sandro, acreditando que o acertaria. Caso perdido! Atirou-se na pobre vítima, a professora Geisa.

Para melhor compreensão, vale ressaltar também a atuação da polícia no caso de Eloá que dias atrás foi assassinada pelo ex-namorado, mas antes disso fez-se reféns ela e as amigas. A atuação da polícia neste caso foi péssima, haja vista permitir que uma das jovens, sendo libertada, regressasse ao local na tentativa de convencer o bandido a libertar a jovem Eloá. Caso perdido!

Em síntese, pode-se dizer que o documentário Ônibus 174, ao abordar aspectos gritantes da sociedade tais como a violência urbana e a discriminação e rejeição para com os meninos (rapazes) de rua, quer-se mostrar que a sociedade precisa não só repensar seus conceitos acerca dos excluídos, bem como buscar meios e alternativas para que estes possam inseri-los no contexto social como verdadeiros cidadãos, o que desta maneira reduzirá expressivamente o número da violência e da criminalidade.

Um comentário:

  1. Como cidadãos e trabalhadores, que ganham a vida honestamente, esperamos que os governos, políticos e juristas façam a sua parte. Não dá para colocar a culpa somente na "sociedade". Aproveito e lembro: queremos penas e punições adequadas e mais severas aos criminosos ou réus. Você já foi vítima? A vítima Geisa não sofreu só no final. Sofreu muito durante o sequestro. Queremos mudanças!

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